Antes de 74
Lembro-me que era verde e que lhe chamávamos “novo”. O velho era pequeno, enfiado no meio da cidade e virado para a História.
O liceu novo ficava numa das pontas da cidade. Aliás, nesses tempos, um dos lados da cidade acabava aí. Da entrada, erguíamos os olhos e havia uma ermida em ruínas, no cimo de um pequeno morro. A ermida era um cenário irresistível para imaginarmos que andávamos à caça de tesouros, em aventuras à moda da Enid Blyton. Lembro-me de que uma vez, cinco ou seis miúdas, a formar um clube com um cão, nos enfiámos por um túnel que havia lá dentro. À saída, estava um homem sentado, numa posição mais ou menos indecorosa. Umas choravam, outras emudeciam, enquanto a Madalena, a dona do cão, lhe dizia: ─ Olhe que o meu cão morde. ─ O cão, Buggy, era um spaniel que não fazia mal a um gato. Enfim… lá saímos incólumes e a perceber que a Enid Blyton seria de outra galáxia. (Por onde andas, Madalena?)
Voltando ao liceu. Palmilhávamos um enorme e largo passeio até lá chegar e por dentro havia corredores compridos, salas de grandes janelas e dois ginásios. Num deles, afocinhei de tal maneira no plintro que fiquei para sempre com terror àquela coisa. De resto, o melhor eram os espaldares!
Havia refeitório e recordo que um dos pratos da ementa era carne estufada com esparguete. Um dia, um colega famoso pelo peso e apetite correspondente (omito o nome, claro…) quase devorou duas travessas das ditas. Um feito e tanto…
Também havia uma espécie de bar onde comprávamos bolos, sandes e chocolates. Os hambúrgueres seriam inventados mais tarde. Haveria bolas de berlim? Já não sei. Do que me lembro é que aquela era a fronteira. Rapazes de um lado e raparigas do outro. A meio, o contínuo, zelador dos costumes, sempre à coca, a desviar os transgressores.
Fora isso, rapazes e raparigas viviam separados. Mas os olhares, esses, ninguém controlava, nem mesmo o contínuo mais feroz. As raparigas olhavam para os rapazes, das janelas que davam para o recreio masculino, e eles faziam o mesmo em sentido inverso. À saída, numa espécie de muro junto ao gradeamento, os rapazes sentavam-se e as raparigas passavam. Entre saídas e entradas, muitas paixões acesas e outras tantas apagadas, talvez.
Professores? Vou aos mais queridos. No primeiro lugar, o Prof. Silva Reis, das aulas de Geografia. A maneira como explicava o movimento de rotação da Terra era fantástica! Ainda o vejo em Leiria e não se modificou com o tempo. A forma como o vejo essa mudou. Respeito e admiração. Uma figura de sempre.
A Prof. Amélia Pais, de Francês, um poço de cultura e simpatia que nos brindou com música francesa no fim do ano.
E um Professor de Desenho do meu primeiro ano, acho que feito em 1966. Não me consigo lembrar do nome. Era muito conhecido, ajudem! Decalquei umas figuras de um livro de bonecos e insisti com ele que eram da minha autoria. Só mais tarde percebi que deixou passar, talvez porque achasse que a vida havia de me ensinar. Teve razão.
Maria da Fé Peres